Aparente contradição
Espanando a poeira do blog….
Nesta semana sentenciei um processo envolvendo uma dupla acusada de roubar o celular de uma adolescente.
Num olhar mais apressado, a decisão aparenta ser injusta, porque o cidadão que executou a subtração (praticante do núcleo do tipo penal) foi aagraciado com sanção menor do que o cumplíce, este considerado partícipe (art. 29, CP)
Explico: o veículo dos assaltantes para em frente a um colégio na zona centro-oeste. Apenas o o ocupante do banco do carona aborda a vítima e, simulando portar arma de fogo por debaixo da blusa, ordena a entrega do aparelho celular. Concluída a subtração, retorna ao automóvel dirigido pelo cumplice e ambos deixam a cena do crime.
Levaram azar porque o episódio foi observado por um policial militar que acabara de deixar a filha naquela escola. Alguns quarteirões adiante, a dupla foi presa em flagrane delito.
Vamos ao que interessa: autor imediato do roubo confessa espontaneamente a autoria do delito e prova ser menor de 21 anos de idade; o partícipe nega tudo.
No momento da dosimetria da pena do réu confesso, considero presentes duas circunstâncias desfavoráveis (art. 59, CP – motivação e comportamento da vítima) e fixo a pena-base em 5 anos e 6 meses. Na segunda etapa, atenuo esse número em razão da menoridade relativa e confissão espontânea. Terceira fase, majoro em 1/3 tendo em vista o concurso de pessoas. Resultado: 5 anos e 4 meses de reclusão.
No tocante ao partícipe, também considero presentes suas circunstâncias desfavoráveis (as mesmas do confesso) e fixo a pena-base no mesmo montante — 5 anos e 4 meses. Segunda fase em branco (não confessou e já ultrapassou em muito os 21 anos de idade). Terceira etapa, idêntica majoração – 1/3. Resultado: 7 anos, 1 mês e dez dias de reclusão.
Pode ter ficado estranho, mas eu dormi com a consciência tranquila.
Resultado
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De fato aparentemente estranho, mas explicado é perfeitamente lógico…, bom ver o “desempoeiraemento” do blog, grande abraço e em tempo, um excelente 2013. 🙂
Carlos, Bom Dia
Faz tempo que venho tentando entrar em seu blog mas via que ele estava fora do AR. Até que agora consigo.
Gosto do que leio em seu blog, á muito bom, lia suas antigas postagens, mas passei um tempo sem ler.
Isso não vem ao caso, o que quero de fato saber é se você aceita um convite nosso do Blog do Daniel para participar de nosso Blog, gostaríamos muito de ter você lá como blogs parceiros, como já disse, gosto do que o Sr. Escreve. Fica o convite, qualquer coisa me responde via e-mail. um forte abraço.
A lei foi aplicada, mas é interessante observar como um mero celular causa ao erário um gasto de milhares de reais, considerando que cada preso custa mais de 2 mil reais mensais.
No Brasil crimes contra o patrimônio são muito mais apenados que os crimes contra a vida. Homicídio tem pena mínima de 6 e roubo de 4.
Regis, esse é um dilema que eu enfrento.
O roubo repele a circunstância de “crime de bagatela” e a sanção mínima é elevada: quase idêntica a do homício simples (6 anos).
Abraços.
Aproveitando, qual sua opinião sobre o primeiro presídio construído e operado via PPP, inaugurado em MG?
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1217477-antonio-anastasia-um-modelo-inovador-de-gestao-prisional.shtml
Eu não não formei juízo de valor suficiente para defender ou atacar esse modelo de gestão.
Mas, como o sistema atual está falido, eu entendo como válida a experiência adotada pelo governo mineiro.
Vou parodiar o Tiririca: pior do que está, não fica.
Abraços.
Sr. Juiz, por acaso descobri o blog de V.Ex
Sou 3ºSgt da PMMG e desenvolvi um projeto, que visa extinguir a prática de furto/roubo de aparelhos celulares, para mais detalhes: https://www.facebook.com/rafaelmuriae/posts/10151298242684820 caso haja interesse de V.Ex, lhe mando as mensagens e mais ideias que apresentei ao comando geral, no entanto, até hoje não tive respostas de apoio.
Rafael, vc já pensou em chamar a atenção da imprensa para o seu projeto. Tente, pois as vezes os dá resultado.
Prezado Sr. Juiz Carlos Zamith,
Como disseram, a lei foi aplicada. O grande problema aqui é que o rapaz que foi cúmplice foi muito mal assessorado por seu advogado. Seria esse algum advogado conveniado com a defensoria pública?
Veja bem. Diante da situação (provas fartas para a condenação), é óbvio que ambos seriam condenados. É obrigação do advogado, dadas as circunstâncias, recomendar a seu cliente que confesse o crime detalhadamente a fim de reduzir a sua pena, visto que nesse caso absolvição seria impossível. Será que o advogado fez isso? Duvido que uma pessoa em sã consciência deixaria de confessar para diminuir a pena em 1 ou 2 anos, visto que sua condenação é iminente. Um advogado comprometido com seu cliente pediria até aos familiares do réu para ajudar a convencê-lo que a confissão é a melhor coisa a fazer. Desculpe o julgamento sem conhecimento de causa, mas duvido que algo assim foi feito.
Cito o exemplo de um julgamento de roubo de celular que ocorreu aqui em meu município (Grande São Paulo) há 2 semanas. O réu foi reconhecido pela vítima e denunciado pelo receptador do celular. Para o roubo, o réu agarrou a vítima por trás e tomou o celular dela. Durante o julgamento, o réu disse que só encostou no ombro da vítima e não falou nada. Ele fez uma confissão parcial e por isso não houve redução da pena.
Neste caso, há um convênio entre defensoria pública e advogados particulares para fazer a defesa do réu que não tinha condições de pagar por um.
Pergunto, qual a diferença entre fazer uma confissão parcial ou total? Novamente duvido que se o réu fosse bem assessorado e recomendado a confessar o crime, não o teria feito (nesse caso a absolvição também seria impossível).
É por essas e outras que questiono o trabalho de muitos advogados que parecem não ter paixão pela defesa.
Fica o desabafo.
PS – Também acho essa lei totalmente incoerente. Por causa de um celular uma pena muito alta. Em determinadas condições, uma tentativa de homicídio pode gerar uma pena menor. Mas é a lei, e deve ser aplicada…
Boa tarde. Encontrei seu blog por acaso e já está na minha pasta de favoritos. Muito legal a iniciativa.
Aproveitando, gostaria de uma opinião. Pretendo ser juíza ou defensora pública, não sei bem ainda. Faço estágio em uma vara criminal e estou no 8º semestre, prestes a começar minha monografia.
Pensei em escrever sobre o juiz criminal, talvez sobre poderes instrutórios, agir ou não de ofício…
O que o senhor acha? Alguma sugestão? Delimitação do tema?
Agradeço desde já. Um abraço.
Jéssica Maiara Petry.
Olá, Jéssica.
Obrigado pelo elogio.
Achei o tema interessante: Juiz expectador ou juiz protagonista?
Vá em frente e boa sorte.